crença no mundo justo
Para ter maior facilidade no atendimento de suas necessidades, o homem camaleão tem que desenvolver crenças adequadas à sua adaptação ao ambiente em que vive. E uma bem comum e importante para ele é a crença no mundo justo, que consiste basicamente em: toda pessoa tem o que merece e merece o que tem; coisas ruins acontecem com pessoas ruins, coisas boas com pessoas boas.
A crença no mundo justo tem as seguintes motivações principais:
-
Facilitar a convivência com o sentimento de medo/insegurança. A emoção/instinto diz que a situação é perigosa (provoca medo), mas o pensamento diminui a importância do sentimento mediante uso da crença no mundo justo - não mereço, nada vai acontecer comigo.
-
Facilitar a convivência com o sentimento de amor/empatia. A emoção/intuição provoca o amor/empatia, me diz que devo ajudar, cuidar do outro, mas o pensamento diminui a importância do sentimento mediante uso da crença no mundo justo - se o outro está sofrendo, ele é merecedor e, portanto, deve arcar com as consequências; não sou responsável por ele, não preciso cuidar dele.
-
Facilitar a convivência com seus sofrimentos, seus erros e limitações - eu mereço, é o meu destino/carma (resignação).
-
Facilitar a convivência com a vitória do outro - ele merece a sorte que tem.
-
Facilitar a esperança no futuro - eu mereço e, portanto, terei vida melhor.
A crença no mundo justo é fruto da busca de facilidades para minimização do sofrimento e manutenção da esperança. A pessoa não aceita que o sofrimento é parte essencial da vida e busca razões para acreditar que nada que o cause acontecerá com ela e, também, que não precisa sofrer com a má sorte do próximo: toda pessoa tem o que merece e merece o que tem. Trata-se de um mecanismo de defesa que pode ser útil para obter algum ganho no bem-estar quando a pessoa está impossibilitada do exercício do livre-arbítrio, mas que configura uma fuga da realidade, pois:
-
Negar o perigo real, não o afasta e coloca em risco a sobrevivência.
-
Negar o sofrimento não o elimina, pelo contrário, o perpetua e dificulta a evolução.
-
Resignação não é aceitação. A aceitação é expressão da vontade (aceito porque quero, porque a minha razão e emoção dizem que é aceitável, porque concordo); a resignação é desistência/abstenção da vontade (não quero, não concordo, mas não tenho outra opção). A aceitação induz à evolução, enquanto a resignação conduz à paralisação.
-
Esperança sem fundamento é prenúncio de tempestade. As possibilidades de se concretizar a esperança de uma vida melhor, quando se depende apenas do acaso, são mínimas, e pode resultar em desesperança.
Ao fazer uso da crença no mundo justo, o homem camaleão utiliza o livre-arbítrio para agir de acordo com a razão, desconsiderando a emoção e a sua essência. Ele não busca solucionar o problema em sua raiz e não assume responsabilidade; ele busca facilidade. Esta atitude dificulta a sobrevivência e a evolução.
A pessoa tende a manter suas crenças. Quanto mais importante a crença for para ela, maior a resistência à mudanças. Portanto, ela tende a evitar questões/situações que possam por a crença no mundo justo em risco e, caso a pessoa tenha de se envolver com o problema, ela buscará reforçar a premissa do merecimento para preservar a crença (buscando razões paraminimizar o sofrimento do outro, evitá-lo, desvalorizá-lo e/ou culpá-lo, embora geralmente o outro seja a vítima, o que sofreu a injustiça).
Para
se atingir um estágio onde haja justiça plena e absoluta,
é preciso que sejam satisfeitas duas premissas:
-
Todos têm igual direito à sobrevivência e evolução com felicidade.
-
As necessidades de todos devem ser satisfeitas.
Se
a pessoa sofre porque não tem um desejo atendido (naquilo que excede as necessidades), ela
está dando causa ao sentimento de injustiça, pois
alimenta um desejo que não está ao seu alcance
atender. Se os outros dificultam ou, embora podendo, não
ajudam a pessoa
com dificuldades no atendimento de suas necessidades, os outros
são a fonte do sentimento de injustiça. A pessoa pode
dificultar a satisfação da outra: (1)
diretamente, colocando entraves à satisfação e/ou
(2) indiretamente, pela satisfação de desejos
próprios (que excedam as necessidades), o que
induz a que o outro também os tenha e se sinta
injustiçado caso não os
satisfaça. Verifica-se, portanto, que a justiça
só pode ser obtida como fruto da evolução coletiva
e que a crença no mundo justo, por dificultar a
sobrevivência e a
evolução, dificulta a obtenção
de um mundo justo.
Como
criação, o mundo não é justo, embora
perfeito. Tal e qual a perfeição espiritual, a
justiça plena e absoluta é algo a ser conquistado.