gustavo ioschpe e a ética no brasil
Em seu artigo entitulado "Devo educar meus filhos para serem éticos?", o economista Gustavo Ioschpe escreveu sobre o dilema no ensino da ética aos filhos:
"...Hannah
Arendt me parece ter chegado mais perto da compreensão da
perversidade humana ao notar, nos ensaios reunidos no livro
Responsabilidade e Julgamento, que esse desconforto interior do
“pecador” pressupõe um diálogo interno, de
cada pessoa com a sua consciência, que na verdade não
ocorre com a frequência desejada por Sócrates. Escreve
ela: “Tenho certeza de que os maiores males que conhecemos
não se devem àquele que tem de confrontar-se consigo
mesmo de novo, e cuja maldição é não poder
esquecer. Os maiores malfeitores são aqueles que não se
lembram porque nunca pensaram na questão”. E, para aqueles
que cometem o mal em uma escala menor e o confrontam, Arendt relembra
Kant, que sabia que “o desprezo por si próprio, ou melhor,
o medo de ter de desprezar a si próprio, muitas vezes não
funcionava, e a sua explicação era que o homem pode
mentir para si mesmo”. Todo corrupto ou sonegador tem uma
explicação, uma lógica para os seus atos, algo que
justifique o porquê de uma determinada lei dever se aplicar a
todos, sempre, mas não a ele(a), ou pelo menos não
naquele momento em que está cometendo o seu delito.
Cai por terra, assim, um dos poucos consolos das pessoas honestas:
“Ah, mas pelo menos eu durmo tranquilo”. Os escroques
também! Se eles tivessem dramas de consciência, se
travassem um diálogo verdadeiro consigo e seu travesseiro, ou
não teriam optado por sua “carreira” ou já
teriam se suicidado.
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Na minha visão, só existem, assim, dois cenários
em que é objetivamente melhor ser ético do que
não. O primeiro é se você é uma pessoa
religiosa e acredita que os pecados deste mundo serão punidos no
próximo. Não é o meu caso. O segundo é se
você vive em uma sociedade ética em que os desvios de
comportamento são punidos pela coletividade, quer na forma de
sanções penais, quer na forma do ostracismo social. O que
não é o caso do Brasil. Não se sabe se De Gaulle
disse ou não a frase, mas ela é verdadeira: o Brasil
não é um país sério.
Assim é que, criando filhos brasileiros morando no Brasil, estou
às voltas com um deprimente dilema. Acredito que o papel de um
pai é preparar o seu filho para a vida. Essa é a nossa
responsabilidade: dar a nossos filhos os instrumentos para que
naveguem, com segurança e destreza, pelas dificuldades do mundo
real. E acredito que a ética e a honestidade são valores
axiomáticos, inquestionáveis. Eis aí o dilema:
será que o melhor que poderia fazer para preparar meus filhos
para viver no Brasil seria não aprisioná-los na cela da
consciência, do diálogo consigo mesmos, da
preocupação com a integridade?
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Tenho pensado bastante sobre isso ultimamente. Simplesmente o fato de
pensar a respeito, e de viver em um país em que existe um dilema
entre o ensino da ética e o bom exercício da paternidade,
já é causa para tristeza. Em última
análise, decidi dar a meus filhos a mesma educação
que recebi de meu pai. Não porque ache que eles serão
mais felizes assim - pelo contrário -, nem porque acredite que,
no fim, o bem compensa. Mas sim porque, em primeiro lugar, não
conseguiria conviver comigo mesmo, e com a memória de meu pai,
se criasse meus filhos para serem pessoas do tipo que ele me ensinou a
desprezar. E, segundo, tentando um esboço de resposta mais
lógica, porque sociedades e culturas mudam. Muitos dos
países hoje desenvolvidos e honestos eram antros de
corrupção e sordidez 100 anos atrás. Um dia o
Brasil há de seguir o mesmo caminho, e aí a
retidão que espero inculcar em meus filhos (e meus filhos em
seus filhos) há de ser uma vantagem, e não um fardo.
Oxalá. "
Leia o artigo na íntegra em Veja Digital:
http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/gustavo-ioschpe