fernando pessoa e a sociedade



Na obra "Os preceitos práticos em geral e os de Henry Ford em particular", o poeta Fernando Pessoa escreveu:

"A sociedade é um sistema de egoísmos maleáveis, de concorrências intermitentes. Cada homem é, ao mesmo tempo, um ente individual e um ente social. Como indivíduo, distingue-se de todos os outros homens; e, porque se distingue, opõe-se-lhes. Como sociável, parece-se com todos os outros homens; e, porque se parece, agrega-se-lhes. A vida social do homem divide-se, pois, em duas partes: uma parte individual, em que é concorrente dos outros, e tem que estar na defensiva e na ofensiva perante eles; e uma parte social, em que é semelhante dos outros, e tem tão-somente que ser-lhe útil e agradável. Para estar na defensiva ou na ofensiva, tem ele que ver claramente o que os outros realmente são o que realmente fazem, e não o que deveriam ser ou o que seria bom que fizessem. Para lhes ser útil ou agradável, tem que consultar simplesmente a sua mera natureza de homens."

E continua na obra "Textos filósoficos":

"A única realidade social é o indivíduo, por isso mesmo que ele é a única realidade. O conceito de sociedade é um puro conceito; o de humanidade uma simples ideia. Só o indivíduo vive, só o indivíduo pensa e sente.
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Sendo o indivíduo a única realidade social, é o egoísmo a única qualidade real, embora, por disfarces vários e artifícios diversos se construíssem, no decurso da evolução social (não digo do progresso, porque não sei - nem ninguém sabe - se existe progresso) sentimentos altruístas, afinamentos dos instintos.
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 As qualidades puramente sociais que governam os homens são o egoísmo, a socialidade e a vaidade. Por socialidade entendo o instinto gregário; é ela que ameniza e limita, sem nunca o eliminar nem essencialmente o alterar, o egoísmo, qualidade primária, que se deriva da própria circunstância de haver um ego. A vaidade é a consequência do egoísmo na sua limitação pela socialidade; é a qualidade social humana mais evidente. Todo homem quer ser mais que outro, todo homem quer brilhar. Variam, com as índoles e as aptidões, as maneiras em que o homem quer destacar-se, mas cada um tem a sua vaidade.

Seria impossível a existência da sociedade se nela se não reproduzissem estes fenômenos da vida do indivíduo."