Ayn rand e a moral
No romance A Revolta de Atlas, da filósofa e escritora Ayn Rand, o personagem John Galt fala sobre a moral:
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"Sim, é verdade que vivemos numa época de crise moral. Sim, é verdade que vocês estão sendo punidos pelo mal que cometeram. Mas não é o homem que está sendo julgado, não é a natureza humana que vai ser julgada culpada. É o seu código moral que finalmente chegou ao clímax, ao beco sem saída que é seu destino. E, se vocês querem continuar vivos, o que precisam fazer agora não é voltar à moralidade – visto que jamais conheceram o que tal coisa significa -, e sim descobri-la.“Os únicos conceitos de moralidade que conhecem são o místico e o social. Vocês aprenderam que a moralidade é um código de comportamento imposto pelo capricho de um poder sobrenatural ou da sociedade para servir os desígnios de Deus ou o bem-estar do próximo, para agradar a uma autoridade do outro mundo ou da casa ao lado – mas não para servir à própria vida e ao próprio prazer. Vocês aprenderam que o seu próprio prazer se encontra na imoralidade, os seus próprios interesses residem no mal, e que todo código moral tem que ser voltado não para vocês, mas contra vocês, não para promover a vida, mas para abatê-la.
“Durante
séculos, a luta da moralidade foi travada entre aqueles que
afirmavam que a sua vida pertence a Deus e aqueles que afirmavam que
ela pertence ao próximo. Entre aqueles que pregavam que o bem
é se sacrificar em nome de fantasmas no céu e aqueles que
pregavam que o bem é se sacrificar em nome dos incompetentes na
Terra. E ninguém veio para lhes dizer que a sua vida pertence a
vocês e que o bem consiste em vivê-la.
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“O homem tem que ser homem – por escolha, ele tem que ter sua vida como um valor; por escolha, tem que aprender a preservá-la; por escolha; tem que descobrir os valores que ela requer e praticar suas virtudes. Por escolha.
“Um código de valores aceito por escolha é um código moral.
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“A vida do homem é o padrão da moralidade, mas a própria vida é o objetivo dela. Se a existência na Terra é a sua meta, vocês têm que escolher seus atos e valores com base no padrão daquilo que é próprio ao homem- com o objetivo de preservar, concretizar e desfrutar o valor insubstituível que é a sua vida.
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“A felicidade é aquele estado da consciência que decorre da realização dos valores que se tem. Uma moralidade que ousa lhes dizer que vocês devem procurar a felicidade na renúncia à sua felicidade – valorizar o fracasso de seus valores – é uma insolente negação da moralidade. Uma doutrina que lhes dá como ideal o papel de animal a ser sacrificado em holocausto no altar dos outros lhes dá a morte como padrão. Por obra e graça da realidade e da natureza da vida, o homem – todo homem – é um fim em si, existe por si, e a realização de sua própria felicidade é seu mais elevado objetivo moral.
“Mas nem a vida nem a felicidade podem ser alcançadas pela busca de caprichos irracionais. Assim como o homem é livre para tentar sobreviver de qualquer maneira aleatória – mas há de morrer se não viver de acordo com as exigências de sua natureza -, ele também é livre para buscar sua felicidade em qualquer fraude irracional. Nesse caso, porém, a tortura da frustração é tudo o que ele encontrará, a menos que busque a felicidade própria do homem. O objetivo da moralidade é ensinar não a sofrer e morrer, e sim a gozar a vida e viver.
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“Não, vocês não são obrigados a viver. Essa é a sua escolha básica. Mas, se optam por viver, então são obrigados a levar a vida como homens – por suas ações e pelos juízos de sua mente.
“Não, não são obrigados a viver como homens; esse é um ato de escolha moral. Mas vocês não podem viver como nenhuma outra coisa – e a alternativa é esse estado de morto-vivo que agora vêem dentro de si próprios e ao seu redor, esse estado de coisa incapaz de existir, que não é mais humano e é algo menos que um animal, que só conhece a dor e se arrasta na agonia da autodestruição irracional.
“Não, vocês não são obrigados a pensar; esse é um ato de escolha moral. Mas alguém teve de pensar para mantê-los vivos. Se vocês optam pela inconsequência, fraudam a existência e repassam essa dívida para algum homem moralmente correto, na esperança de que ele sacrifique seu próprio bem para que vocês possam sobreviver ao próprio mal.
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“Se eu quisesse utilizar a sua linguagem, diria que o único mandamento moral do homem é: 'Pensarás.’ Porém um ‘mandamento moral’ é uma contradição. A moral é o escolhido, não o forçado; é o compreendido, não o obedecido. A moral é o racional, e a razão não aceita mandamentos.
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“Mas para aqueles, dentre vocês, que ainda guardam algum vestígio de dignidade e de vontade de viver a própria vida, ofereço a oportunidade de fazer uma opção. Pensem se vocês querem morrer por uma moralidade que jamais praticaram, em que jamais acreditaram. Parem à beira da autodestruição e examinem seus valores e sua vida. Antes vocês sabiam fazer um inventário dos seus bens. Agora façam um inventário de suas mentes.
“Desde pequenos, vocês vêm ocultando um segredo culposo: no fundo, nunca quiseram seguir essa moralidade, buscar a autoimolação. Sempre temeram e odiaram esse código, mas nem ousam dizê-lo a si próprios; vocês não têm esses ‘instintos’ morais que os outros afirmam sentir em si próprios. Quanto menos vocês os sentiam, mais alto proclamavam o seu amor altruístico pelos outros, seu desejo de servi-los, com medo de que descobrissem seu eu verdadeiro, o eu que vocês traíram, que sempre mantiveram escondido, como um esqueleto no porão de seu corpo. E eles, que, ao mesmo tempo, eram tapeados por vocês e os tapeavam, eles os escutavam e aprovavam com veemência suas palavras, com medo de que vocês descobrissem que eles escondiam o mesmo segredo. A vida entre vocês é um gigantesco fingimento, uma farsa que um representa para o outro, cada um se achando o único diferente, o único culpado, cada um atribuindo a autoridade moral ao incognoscível que só os outros conhecem, cada um falseando a realidade que acha que os outros querem que ele falseie, nenhum com a coragem de quebrar o círculo vicioso.
“Qualquer que seja a solução sórdida que vocês tenham adotado para conviver com esse código inviável, qualquer que seja o equilíbrio miserável que tenham atingido, misto de cinismo e superstição, vocês ainda preservam a raiz, a premissa letal: a idéia de que o que é moralmente correto é incompatível com o que é prático. Desde pequenos, vocês fogem do terror de uma escolha que jamais ousaram identificar explicitamente: de um lado, o que é prático - tudo aquilo que vocês precisam fazer para existir, tudo o que dá certo, que realiza os seus objetivos, que lhes proporciona alimento ou prazer, que lhes traz lucro, é mau -; de outro, o que é bom e moralmente correto, mas não é prático – tudo o que dá errado, destrói, frustra, tudo o que faz mal a vocês e lhes proporciona prejuízos ou dor. Na verdade, a escolha é esta: ser moralmente direito ou viver.
“O único resultado dessa doutrina assassina foi separar a moralidade da vida. Vocês foram criados com a idéia de que as leis morais não têm relação com a tarefa de viver, senão como obstáculos e ameaças; que a existência humana é uma selva amoral em que vale tudo e qualquer coisa funciona. E, nessa névoa de definições cambiantes que envolve uma mente congelada, vocês esquecem que os males amaldiçoados pela sua crença eram as virtudes necessárias à vida e chegam a acreditar que os males são os meios práticos da existência. Esquecendo que o ‘bem’ não prático era o autossacrifício, vocês acreditam que o amor-próprio não é prático; esquecendo que o ‘mal' prático era a produção, acreditam que o roubo é prático.
“Balançando-se como um galho ao sabor dos ventos numa selva amoral, vocês não ousam ser inteiramente maus nem viver completamente. Quando são honestos, sentem-se otários; quando são desonestos, sentem terror e vergonha. Quando são felizes, sua felicidade é diluída pela culpa; quando sofrem, a dor é aumentada pela sensação de que seu estado natural é a dor. Vocês sentem piedade dos homens que lhes inspiram admiração, pois acreditam que eles estão fadados a fracassar; invejam os que lhes inspiram ódio, pois acreditam que eles é que sabem viver. Sentem-se desarmados quando se vêem frente a frente com um canalha: vocês acham que o mal está fadado a ganhar, visto que a moralidade é impotente, não é prática.
“Para vocês, a moralidade é um espantalho constituído de dever, tédio, castigo e dor, um cruzamento da primeira professora que vocês tiveram na escola fundamental com o coletor de impostos de agora, um espantalho colocado num campo estéril, sacudindo uma vara para afastar os seus prazeres – porque isso, para vocês, quer dizer um cérebro empapado de álcool, uma prostituta animalesca, o estupor de um imbecil que aposta dinheiro numa corrida de animais, pois o prazer não pode ser algo moralmente correto.
“Se vocês identificarem suas verdadeiras crenças, encontrarão uma tripla maldição – de si próprios, da vida e da virtude – na conclusão grotesca a que chegaram: vocês acreditam que a moralidade é um mal necessário.
“Vocês não entendem por que vivem sem dignidade, amam sem paixão e morrem sem resistência? Não entendem por que, de todos os lados, só se ouvem perguntas sem respostas, por que a sua vida é dilacerada por conflitos insolúveis, por que vocês vivem tendo que fazer escolhas artificiais, como optar pela alma ou pelo corpo, pela mente ou pelo coração, pela segurança ou pela liberdade, pelo lucro privado ou pelo bem público?
“Vocês se queixam de não encontrar respostas? Como pretendiam encontrá-las? Vocês rejeitam seu instrumento de percepção – sua mente – e depois reclamam que o universo é um mistério. Jogam fora a chave, depois choram porque todas as portas estão trancadas para vocês. Partem em busca do irracional, depois maldizem a existência por não fazer sentido.
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“Aceitem o fato de que a concretização da sua felicidade é o único objetivo moral da sua vida, e que a felicidade - não a dor nem a estupidez autocomplacente – é a prova da sua integridade moral, visto que é a prova e o resultado da sua lealdade à realização dos seus valores. A felicidade era a responsabilidade que vocês temiam, e ela exigia aquela espécie de disciplina racional que não se valorizavam o bastante para assumir – e a esterilidade ansiosa da sua vida é o monumento à sua insistência em se evadir da consciência de que não há substituto moral para a felicidade, não há covarde mais desprezível do que o homem que abandonou a batalha pela sua própria felicidade, temendo afirmar seu direito à existência, faltando-lhe a coragem e a lealdade à vida que têm uma ave ou uma planta que procura o sol. Joguem fora os trapos que protegem o vício a que vocês chamam virtude: a humildade. Aprendam a valorizar-se a si próprios, ou seja, a lutar pela sua felicidade. E, quando tiverem aprendido que o orgulho é a soma de todas as virtudes, vocês aprenderão a viver como homens.